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Livraria em família


Benjamin Magalhães deixou uma alta posição na Livraria da Travessa, atravessou a rua e se juntou à mulher e ao filho na mais nova loja de livros de Ipanema, a Livraria Sebo Lima Barreto, onde voltou a fazer o que gosta; atender ao público.

Além dos três, a pequena livraria conta com outros três funcionários e as ações estão bem definidas. Benjamin atende ao público, sua mulher, Sandra, cuida da parte administrativa e o filho, Pedro, das compras de livros para o acervo.

A Lima Barreto fica quase em frente à Livraria da  Travessa, na rua Visconde de Pirajá, que durante anos foi a base de Benjamin, apesar de ele também ter gerenciado outras das seis lojas da rede no Rio.

Em tempos de crise nas redes Saraiva e Cultura, a Livraria da Travessa é um case de sucesso no mercado nacional; além das lojas do Rio e outra em Ribeirão Preto, SP, inaugurou, em 2019, uma loja internacional em Lisboa, e uma na capital paulista.

Benjamin foi importante nesse sucesso e acredita que a crise na concorrência começou a partir da entrada do e-commerce no mercado quando Saraiva e Cultura investiram em produtos como os eletro-eletrônicos, além de se expandirem para regiões sem consumidores.

Para ele, o sucesso da Livraria da Travessa aconteceu , sobretudo, pelo fato da rede ter sempre apostado no livro: “Mesmo há 6 anos atrás quando o livro sofreu um bullying enorme, diziam que ele ia acabar, ela apostou no livro”.

Hoje, Benjamin vê uma aposta do mercado em livrarias pequenas o que chama de movimento interessantíssimo: “Em  São Paulo isso é mais forte; livrarias de bairro que não têm um projeto como o da Cultura, Saraiva, ou  Travessa, em  que o cliente também encontra um bom livreiro e um bom acervo”.

A Lima Barreto foi uma iniciativa de sua mulher, Sandra que também deu o nome à loja: ” Ela gosta muito do Lima; tem a questão racial, a questão do negro que era importante. Ele sempre foi um escritor militante.”

Segundo Benjamin,  Sandra, que é professora e “ leitora ávida’, o ajudou a desenvolver o gosto pela leitura que só havia  se iniciado na adolescência, ao contrário dos irmãos que liam desde a infância. Ela também foi  incentivo para que se tornasse professor, quando já trabalhava com livros, enquanto ele ajudou  a professora  a se tornar  livreira.

 

 

 

 

Como foi sair da mais badalada rede carioca para uma pequena livraria iniciante?

O ritmo é outro. Embora o trabalho aqui também  seja bastante intenso, os números são infinitamente menores. Mas sempre gostei muito de trabalhar com o  público e resgatei com a Livraria Lima Barreto o gosto de atender, voltei a ser livreiro. Na Travessa  deixei essa posição para atender as questões mais burocráticas, da comunicação e da gerência, me afastei do salão. Está sendo excelente; vários clientes que atendia anos atrás dizem ; “ ah, você voltou, que bom!”. Indico livros, vou atrás dos que não tenho e compro para eles. Com a minha vinda efetiva, estamos mudando, não é mais sebo; é  Livraria Lima Barreto Novos e Usados.  Acho que tem tudo a ver com a atualidade; a reutilização, não jogar as coisas fora. Agora compramos livro novo e continuamos com o usado; o cliente pode escolher num mesmo título entre o novo ou  usado. Pode optar pelo usado para ele, a um preço mais em conta, ou pelo  novo quando for presentear. Em Montevideo as livrarias têm muito disso. No Brasil essa prática não é tão forte e aqui no Rio não me lembro de uma livraria que faça como estamos propondo. A Elizart teve, há muito tempo, uma experiência que era reduzida aos livros da Zahar e da Companhia. Nós já estamos com Companhia, Record, Carambaia e várias outras editoras.

A experiência na Travessa facilita esses contatos?

Certamente, a Travessa foi uma excelente escola. É uma empresa muito bem organizada. Você tem lá o Rui que, usando uma terminologia nova, é uma espécie de CEO, o dono de antigamente. É um cara com uma acuidade incrível, conhece muito do mercado. Aprendi muito com ele; a ver que o mercado está sempre mudando. Se você não se adianta um pouquinho fica para trás. Nisso a Travessa me ajudou muito e eu trago para a Lima Barreto essa experiência dos livros novos. Eles começaram a entrar no Natal depois que efetivamente me desliguei da Travessa.

Você trabalhou com livros antes da Livraria da Travessa?

Tive uma experiência de seis meses, em uma loja  de um tio no Centro. Pedi a ele um ponto para botar livros, mas a coisa não floresceu. Estive no comércio com um restaurante e depois com uma empresa de terceirização de mão de obra que faliu. Ao falir e sofrer todo aquele processo que é bem duro tive de me conscientizar do que gostaria de fazer. Os caminhos me levaram a essa empresa de terceirização mas não era algo prazeiroso; ganhar dinheiro em cima do trabalho alheio é complicado. Sempre tive essas questões comigo. Por esse  e outros motivos a empresa faliu. Na lona, pensei; “tenho de trabalhar com uma coisa que eu gosto” e distribui currículos só em livrarias. Isso em 2002, no momento que a Travessa deu seu primeiro grande salto; tinha uma pequena livraria em Ipanema e iria abrir a loja que chamamos de Travessona uns dois meses depois, também em Ipanema. Eu já tinha uma experiência de 20 anos de comércio, com erros e acertos .Gostaram do meu currículo e me puseram para trabalhar como livreiro. Logo depois que a loja abriu fui promovido a subgerente e depois gerente. Foi uma escalada até fazer meu último trabalho que foi na comunicação da Travessa. Começamos a ver a necessidade de um departamento de comunicação e embora não tivesse essa formação, lendo livros e conversando com muita gente, ajudamos na formação do departamento. Foi quando comecei a trabalhar mais junto ao Rui. Sai em 2019 e fiquei portanto quase 18 anos na Travessa.

Qual era o seu trabalho no departamento de  Comunicação?

Trabalhava a relação com a mídia, com eventos, que era o mais forte, merchandising, design. Também fazia uma espécie de gerência geral em todas as lojas; uma ligação com o RH, com o financeiro. Tenho isso de  fazer várias coisas ao mesmo tempo, não me enrolo, o que é bom para uma empresa em formação. Uma das minhas funções era fazer a relação com o Centro Cultural do Banco do Brasil, onde há uma loja da Travessa,  com a Bienal de Arte de São Paulo, onde  a Travessa monta um estande toda edição, como montamos todo ano na FLIP. Eu cuidava  da relação com a direção dessas entidades. O acervo ficava por conta do departamento de compras,mas sempre dava meus pitacos, não só nas Bienais como nas lojas; às vezes via um livro  que não havia na Travessa. Na FLIP  comecei a ir quando a Travessa se tornou a livraria oficial. Ia antes e montava o estande, acompanhava a chegada de caminhão, desmontagem, me relacionava com o pessoal da Casa Azul, que organiza o evento.

Quando a Lima Barreto veio para Ipanema você já estava saindo da Travessa?

Não, mas estava com o sentimento de que a coisa não iria mais. Senti que a Travessa atingiu um patamar, com lojas em Portugal e São Paulo, em que já não me encaixava mais. Ela precisava de outro tipo de profissional, que não fosse do meu jeito de ser. Mas  as coisas iriam em paralelo mesmo se eu continuasse na Travessa porque  minha mulher Sandra e meu filho Pedro já tinham todo o projeto aqui. A coisa aconteceu, não houve uma previsão certinha. Como a Travessa já está solidificada e muito bem organizada, achei que  meu tempo alí havia passado. Foi em 2016, quando comecei a conversar com eles. Paralelo a isso  minha mulher inicia um sebo em casa, via Estante Virtual, que começou a crescer, e meu filho Pedro, que era livreiro da Travessa, decide sair para ajudar a mãe. Os dois foram indo muito bem até que em 2019 sentiram necessidade de abrir uma loja de rua e viram que Ipanema era o melhor endereço. Antes houve uma experiência no Catete, não muito boa e outra em uma casa na Tijuca que era mais para atender à Estante Virtual, não era aberta ao público. Tinha de marcar a visita por telefone. No Catete também estávamos em galeria mas era um prédio ruim, fomos quase expulsos de lá pelas goteiras. Trabalho não é para ter esses dramas; é para ser uma coisa feliz. Na Tijuca pudemos nos reorganizar até decidirmos voltar para a rua, porque o sebo precisa de captação e uma loja escondida não é bom.

Algum sebo inspirou a Lima Barreto?

Acho que foram essas visitas a Montevideo, Buenos Aires, Lisboa e Paris, cidade interessantíssima para o  livreiro. Olhávamos e víamos algo bacana. A inspiração arquitetônica veio das livrarias inglesas, que não conhecemos, mas vimos por fotos.  Também fomos influenciados pela Travessa.  O design da logo e o letreiro  é da Anna Amêndola que já trabalhou para a Travessa.  Ela é muito competente e sabe criar coisas elegantes. Entre os sebos do Rio tem o Elizart, que gosto muito, o Berinjela e o Beta de Aquarius. Mas são trabalhos diferentes do que fazemos principalmente agora com a entrada do livro novo. O que se destaca em um sebo é a curadoria, o que você mostra com destaque e nisso podemos dizer que temos um perfil mais parecido com o Berinjela.

Qual foi o papel da Estante Virtual na história da Lima Barreto?

Foi de uma importância total já que começamos lá. Ela é muito bem organizada, faz o trabalho justo, correto e muito profissional. Mas você sempre vai achar o aluguel caro. A interrogação é que eles agora estão no guarda-chuva do Magazine Luiza e isso nos deixa um pouco apreensivos sobre o que será feito. Se não fizerem nada haverá um enorme ganho porque a Estante Virtual tem um cadastro fantástico que é o que esse povo de internet gosta. Se deixarem como está, acho que ela tem muito a ganhar. Não considero a Estante Virtual uma predadora dos sebos, acho que acompanhou o tempo. Muito sebos fecharam mas outros abriram, como o Lima, que é resultado da Estante Virtual e graças a ela vendemos para todo o Brasil. Quando um sebo na Praça Tiradentes faria isso? Nunca. Fica-se com aquela memória afetiva, mas economicamente como era? O Centro do Rio afundou e não foi a Estante que fez isso; foi Eduardinho, foi o projeto econômico e como eles ficariam? Vejo a Estante não como predadora mas como natural ação dos novos tempos.

Qual a  relação da Lima Barreto com as editoras independentes?

Começamos com alguma coisa; temos a Mallet, a Cultura e Barbárie, a Dublinense. Vendemos livros novos e não consignamos, estamos comprando. Fizemos pequenas compras e estamos ampliando, mas nosso espaço é diminuto. Temos 40 metros quadrados; na Travessa, do outro lado da rua são 600 metros. Há uma diferença boa,  mas no que podemos fazer temos feito. É uma curadoria; o que você quer mostrar para o seu público dentro de uma maior abrangência política possível. O público aqui é  uma mistura, mas Ipanema ainda é uma vanguarda de leitura interessante;  as pessoas querem coisas diferentes. Noto muito isso aqui como notava na Travessa de Ipanema.

Como o livro infantil ganhou espaço na livraria?

Qualquer comércio é um desejo do comerciante negociando com o seu público. Não adianta fazer  uma livraria X se o público não tem esse interesse. Iniciamos aqui focados em humanas e pouca coisa infantil porque esse gênero não saia na Estante Virtual. O infantil tem se ser visto para ser comprado. Mas começamos a ver que aqui havia uma procura do público e estamos vendendo bem livros infantis novos e usados. Ele ganhou seu espaço sem ser uma ideia inicial nossa. No edifício há muitas clínicas médicas e o público de mais idade compra para os netos.

A Lima Barreto vai interagir com o público além da venda de livros?

A loja é muito pequena, outros tipos de ação são complicados, mas houve um show de música na inauguração. Estamos numa galeria que tem suas regras e à medida que der para fazer coisas maiores faremos. Temos a ideia para este ano de um ciclo sobre Rio de Janeiro, por causa das eleições; os problemas da cidade. Serão palestras e debates. Estamos vendo com o Simas e o Felipe Magalhães, professor da rural. Também faremos uma homenagem ao editor Massao Ohno, que completa dez anos de morto e foi uma figura muito interessante no mercado editorial.  Vamos trabalhar em cima de algumas efemérides mas sempre focados mais em fazer o dever de casa; atender bem  ao público, que é quem paga as contas. Por isso não temos tantos projetos externos. Temos apenas dois clubes de leitura que foram as pessoas que os promovem que nos procuraram; são o Justa Causa, um clube voltado para área do direito, e o Mães na Literatura, que aborda a temática feminina. Na época da inauguração tivemos duas contações de histórias, mas demos um tempo porque começa a gerar muitos custos.

Na Livraria da Travessa houve eventos que o marcaram de modo especial?

Houve muita coisa, conhecemos muitos autores interessantes. Havia as quinzenas que eram um sucesso, algumas com  maior outras com menor sucesso. Havia muita coisa; uma média de 700 eventos anuais. Três quinzenas sobre ditadura militar foram muito boas, com gente de diversos lados. Um dos últimos eventos que participei foi com o Marcio de Souza sobre a Amazonia, tema do qual muitos falam sem conhecimento de causa. Ele havia lançado História da Amazonia, livro interessantíssimo, li de cabo a rabo. Algo que falou é para pararem de usar a expressão povos da floresta; povos da floresta são os macacos, o povo da Amazonia são os ribeirinhos. São coisas que se houve na televisão, na internet e se acaba repetindo sem conhecimento. O livro é a melhor forma de se entender o que está se passando no mundo atual; nunca deixou de ter o seu valor. Não adianta as pessoas pegarem a notícia pela superfície, vão estar repetindo alguma asneira. Mas ler dá trabalho, se você quiser saber o que está se passando no mundo. Estamos voltando ao século XIX com chikungunha, dengue, geosmina.  No século XIX nem houve geosmina, mas a água também tinha trato difícil, tanto que o Rio teve um surto de febre amarela fortíssimo. Voltamos a beber água insalubre no século XXI, não dá para entender. Mas nos livros há um caminho.

Houve livreiros que o  influenciaram  no seu ofício?

Como  referência histórica tem o  Aloisio, da Timbre, que foi  um grande livreiro, como também foi o Manoel Pinho, da Elizart. O próprio Rui é um inspirador. Mas, além de livreiros, há os escritores que nos inspiraram como George Orwel. Ele  é fundamental; atacava qualquer totalitarismo e foi muito atacado por isso. Houve um debate na Travessa com o Flávio Tavares sobre o Che Guevara em que explicou o porquê da briga entre Che e Fidel. O Che era contra a aproximação com a União Soviética e o Fidel dizia que era preciso ser mais pragmático. Nisso levanta um senhor e diz que aquele debate era absurdo que queriam dividir a esquerda. Que tipo de debate é esse se a pessoa não quer discutir o que aconteceu há 50 anos porque vai dividir a esquerda. Até intervi lembrando que Fidel e Che já estavam mortos. O que nos move a expor todos os pensamentos possíveis é para lermos mais e termos um debate de melhor nível. Para não ficar no xingamento, ou quem é de esquerda não falar com quem é de direita. Não entendo isso como democracia, que mesmo com todas as falhas ainda é o único sistema viável para nós ocidentais que temos uma ideia de liberdade individual muito forte.

Você vê ameaça à democracia no Brasil?

Quando o Bolsonaro se elegeu houve o lado ruim dele ter sido eleito e o lado bom; agora a sociedade vai mostrar se está ou não organizada. Bem ou mal nós estamos nos organizando. Quando ele comete excessos o pessoal vai contra, ele recua. Está indo. Tem sempre perigo de uma radicalização. Mas o que as instituições têm realmente a fazer é lutar pela manutenção; ele foi eleito, respeita-se o voto, mas se mantêm uma pressão constante sobre temas como Amazonia, educação, esses ministros completamente  exóticos e folclóricos. A sociedade civil organizada tem de fazer uma intensa pressão para que a coisa não descambe e na próxima eleição tentar reverter o quadro com o aprendizado que tivemos nos anos Lula, que foi muito interessante, mas com grandes erros.

Sua livraria pretende marcar uma posição política como faz a Leonardo da Vinci?

É diferente. Nós temos o conceito de que livraria é lugar onde deve haver democracia. Todas as linhas de pensamento têm de estar aqui. A placa Rua Marielle está alí na parede porque o que houve foi um atentado à democracia, independente de ela ser do PSOL. Mas procuramos ter todas as linhas de pensamento; desde Roger Scruton, que é um conservador até o Emir Sader que é mais radical. É um pouco diferente da linha mais politicamente de esquerda da Leonardo da Vinci. Respeito o trabalho de cada um, mas acho um equívoco; não vejo o livreiro como um padre, um pastor, um mullah. Ele tem de mostrar ao público tudo que há de importante e o  público  escolhe se vai ser de direita ou de esquerda. Não vejo o trabalho do livreiro como algo político partidário. Mas respeito vários que têm esse trabalho mais radical de um lado ou de outro. Nós colocamos tudo, o cliente é quem escolhe qual a linha de pensamento dele,  o que quer estudar. Quem compra algo de um  pensamento mais  extremo nem sempre é de extrema; quer saber, quer estudar. Quando houve a celeuma do livro do Brilhante Ustra nossa luta foi para que a Travessa também tivesse o livro. Qualquer pesquisador do regime militar vai querer ler. Mas ao comprar A Verdade Sufocada ele se torna de direita? Não; ele quer saber o que a direita pensa. Nos tempos atuais temos que saber o que o oposto pensa, ou não há diálogo, apenas propaganda. Vejo que o papel do livreiro pode crescer muito fazendo essa mediação na sociedade: “Pessoal, invés de bater boca vamos ler? Entender qual é o pensamento do outro?”.

O que acha da Lei do Preço Fixo para o livro?

No  escopo geral é uma lei interessante. Por que o mundo é selvagem, o capitalismo precisa de leis para que haja respeito aos outros, à própria dignidade humana. Gosto muito de uma frase do Ferreira Gullar: “ O capitalismo deu certo porque é amoral , assim como o ser humano”.  Acho o Estado necessário, mas um Estado excessivo se torna corrupto. Não tenho a fórmula do equilíbrio.  A Lei do Preço Fixo é interessante para todos porque vai proteger a cadeia produtiva.  Mas temos de ter cuidado para não se transformar também em um cartel. Nesse momento acho difícil ela passar porque o próprio presidente não é um liberal. É um estatista que está com essa linha de liberalismo não se sabe até quando para agradar ao mercado.  Ao mesmo tempo essa lei é anti-liberal, o Paulo Guedes não deve gostar dela.

Como vê as entidades ligadas ao livro?

Entidades como o SNEL, ANL e a AEL, por mais que tenham diversos integrantes com posições próprias, devem assumir uma posição política. Veja o caso da Bienal do Livro, ano passado,  em que o Crivella fez uma ação de marketing, com  censura a um livro. Ele sabia que isso é inconstitucional, mas não me lembro de posições mais fortes das entidades quanto a isso. Se a maioria acha que qualquer censura é uma coisa errada, é preciso se posicionar de forma firme. Nunca vai haver unanimidade em nada, mas  se a maioria do mercado acha que a Lei do Preço Fixo é benéfica, tem de se posicionar claramente. Se as livrarias acham que os descontos dados aos leitores pelas editoras é uma coisa ruim, a ANL deveria se posicionar de forma mais firme.  Se não, é uma instituição que não representa nada e perde a força.  Nunca se agrada a todo mundo. Você pode até não conseguir seus objetivos mas é preciso ter uma clareza de posição. Se as livrarias acham que as editoras, principalmente nos didáticos, um mercado bem prostituido,  estão pulando a cerca, é preciso no mínimo colocar elementos políticos, já que não há leis a respeito. As coisas se modificam através da pressão política, se nada for feito nada vai mudar. É preciso clareza do que o mercado quer; Lei do Preço Fixo, isenção de IPTU para as livrarias, que as editoras já têm, não à venda direta do livro pelas editoras. Há que se ter uma posição clara e na medida do possível negociar com o SNEL, o que é sempre difícil.

Como foi sua experiência como professor paralela a de livreiro?

Sou formado em Artes Plásticas. Exerci a profissão por três anos na prefeitura do Rio, mas trabalhar no comércio e dar aula não deu certo. Aos 18 anos; depois de repetir a escola  pela enésima vez meu pai  me pôs para trabalhar com um tio em  uma loja de presentes . Saí da escola e voltei aos 40 anos;  fiz  vestibular para artes na UERJ. Depois, já trabalhando com livro fiz o concurso para a Prefeitura.  Fui chamado em 2008 e fiquei até 2011 quando pedi exoneração. Dei aula em Bangu, na Escola Municipal Ruben Berta, uma experiência muito interessante. Os alunos são incríveis, te instigam muito. Ser professor foi um sonho antigo. Minha mãe era professora, meu pai era professor e minha esposa também. Sonhei fazer esse teste. Gostei mas não para ficar. Minha visão é diferente e vi que não era o meu local.

Foi difícil lidar com os alunos?

Terríveis eram os professores, muito fracos, não leem. Era uma escola grande com uns 35 professores e se cinco liam era muito. Temos um ensino depreciado em todos os pontos; tanto no aperfeiçoamento do professor, que é sempre deficitário e depois cai para o aluno que vem de uma situação bem complicada. Nessa escola havia vários dias sem aulas por causa de intervenção policial. O drama real já conhecido.

Qual foi o lado positivo da experiência?

A criança é sempre a surpresa,  tem o questionamento. Você vai cheio de ideias e ela  te molda; “ aqui não é assim, a realidade é outra”. Vamos cheios de pré- conceitos; “ir dar aula em uma comunidade”. Mas as crianças são vivas, abertas, com uma curiosidade enorme, como qualquer criança. Existem grandes professores com um bom trabalho mas a maioria prefere dizer que os alunos são terríveis. Via os professores reprovarem até como uma atitude de poder sobre as crianças. Tive embates nas reuniões de final de ano, quando se discute as aprovações, onde professores, que por não terem conseguido conquistar o aluno, o puniam  com a reprovação. A  parte do professorado em que eu estava dizia; “ Calma gente, ele é ruim nisso, mas é ótimo naquilo. Você vai parar a vida do cara por causa disso?” A briga sobre a melhor linha pedagógica é sempre complicada, mas uma coisa é certa: o ensino é muito fraco. O aluno é quem mais perde com isso e daí perde  o mercado livreiro. Você não tem uma educação que estimule a leitura e a curiosidade. Se formam pessoas que nem vão à biblioteca. Há um erro no nosso sistema educacional que começou lá trás; a educação era voltada para uma pequena elite e quando  se abre para o povo, as verbas não acompanham. Era a Lei 5692 que reformula o ensino para deixá-lo mais inclusivo. Mas foi uma lei da ditadura que tinha problemas mais sérios

Como professor você chegou a receber o Vale Livro da Prefeitura distribuído pela AEL?

Recebi. O Vale Livro é fundamental; faz o professor ir até a livraria. Antes havia um título que era escolhido pela Secretaria junto a alguma editora e imposto ao professor, que muitas vezes já tinha esse título ou não tinha interesse nele. Vários colegas meus começaram a frequentar livrarias através do Vale Livro, enquanto outros mesmo com o Vale Livro não liam. Hoje acho difícil o Vale Livro voltar com esse governo que não tem projeto, ou pelo menos um projeto público claro. Ele deve ter o projeto pessoal, mas um projeto que seja discutido com a sociedade não se vê em momento algum. Acho a possibilidade da volta do Vale Livro uma coisa boa, mas ele só não adianta. Ao mesmo tempo tem de se ver se as bibliotecas dentro das escolas vão estar realmente ativadas, com pessoal especializado. Por si só a criança não vai à biblioteca, porque ela não tem esse hábito. Leitura é um hábito formado pela família que a escola fortifica.

O que achou do seu filho também  aderir  ao ofício de livreiro?

Meu filho Pedro e minha esposa Sandra, que é a base de tudo. Brinco que a frase dela é aquele título do Sallinger: “Prá cima com a viga moçada”. O Pedro tem uma cabeça muito boa dessa juventude que lida com números com facilidade, devido aos jogos na adolescência, devido a entender o mundo sem os traumas que nós mais velhos trazemos do século XX colocados por nossos pais. Eles não veem o futuro, é aqui e agora. O futuro será sempre incerto, enquanto que na nossa educação você tinha um futuro melhor. Mas vimos que não é nada de disso, o futuro continuará sempre incerto. O Pedro faz parte dessa geração que não conta que terá uma aposentaria; “o futuro sou eu quem faço”.

 

05/03/2020