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O renovador do sebo


Ele inaugurou a Berinjela aos 27 anos de idade como uma livraria voltada para sua tribo. Passados 25 anos os dois amadureceram; a Berinjela não promove mais torneios de futebol de botão, nem shows de rock, se abriu para um público maior e Daniel até questiona o nome com que a batizou.

O escritor e jornalista espanhol Jorge Carrion diz, no best-seller Livrarias – uma história de leitura e leitores, que a Berinjela está destinada a se tornar histórica, assim como é a Livraria Leonardo da Vinci de quem é vizinha na galeria do Edifício Marquês do Herval, no Centro.

Nesta última década, se juntaram à elas duas outras livrarias, a Disal e a Martins Fontes, batizando o subsolo do edifício omo Galeria do Livro onde há uma feira de livros conjunta no primeiro sábado de cada mês e  se experimenta a bibliodiversidade do mercado carioca.

Filho de argentinos e neto de poloneses, Daniel nasceu no Brasil por acaso, quando a família veio acompanhar o pai a trabalho. Mas depois do regresso à Argentina saiu de casa aos 17 anos para vir morar sozinho  no Brasil.

O sobrenome Chomski  possibilita que seja parente do linguista e ativista político norte americano Noam Chomsky já que, segundo Daniel, há relativamente poucos com esse nome surgido na Bielorrússia, e seu xará, com quem compartilha as ideias políticas, se parece de rosto com seu pai.

A interação profissional com livros começou com resenhas literárias para o Jornal do Brasil e O Globo, entre outros, quando estudava jornalismo. Os frilas o afastaram da faculdade e, ao procurar algo que aumentasse a renda, foi para o mercado editorial, aos 22 anos, como sócio em duas livrarias antes da Berinjela. Nesta, sua irmã Silvia chegou quatro anos mais tarde, primeiro como funcionária e hoje como sócia.

Fã de poesia e de contos, Daniel patrocinou e deu a marca Berinjela, como editora, aos quatro volumes da Modo de Usar, coletânea de poesias que revelou nomes como Angelica Freitas, Lilia Garcia, Ricardo Domeneque e Fabiano Calixto. Dois volumes estão esgotados “e meu sonho é vê-los com preço altíssimo na Estante Virtual”, brinca ele.

 

 

 

Como foi o lançamento do livro Back to USSR, sábado na Berinjela?

O Fábio Fernandes é um velho amigo, professor de letras em São Paulo, e o livro é de ficção científica, o grande barato dele. Foi pequeno, mas caloroso. Como ele agora mora em São Paulo, acabou revendo todos os amigos cariocas. Havia gente que  não via há dezenas de anos. De venda não foi expressivo mas ele gostou muito.

A Berinjela tem feito menos eventos?

Sim, o trabalho no sebo é muito desgastante. O mesmo cara que compra, carrega, limpa e marca preço; são muitas funções e não sobra tempo para criar uma agenda de eventos. Não é só criar; também tem de estar presente. Isso acaba excedendo no meu horário laboral. Há coisas que não conseguimos abraçar e temos de dar chance para que outros façam; por que fazem melhor. A Da Vinci, faz eventos que atraem público para as duas lojas. Também me falta espaço fisíco para uma loja que se propõe a ter agenda de eventos como a Travessa, a Da Vinci e a Argumento.

Mas  a Berinjela não  promovia shows?

Sim, e chegamos a ter umas 200 pessoas  na loja. Naquela época  as estantes eram móveis, dava para empurrar. Parei com esses eventos por que uma vez um casal brigou e o garoto chutou a vitrine da Da Vinci; fiquei imaginando a Dona Vanna me dando esporro. Alí, decidi que não ia ter mais. A ideia era fazer shows acústicos as 7h, depois do expediente, mas as pessoas extrapolavam e faziam eletrificado; eram muitos jovens. As atrações vinham desde o under-underground carioca aos mais famosos como B Negão,  a banda que acompanhou a Cassia Eller, Zé da Gaita e Rogerio Skylab. Foi um pioneirismo porque a música que havia em livrarias estava atrelada a um bom mocismo; clássicos, música calma. O que propúnhamos era rock, da nossa geração. Quando comecei a loja em 94 tinha 27 e já era livreiro desde os 22 anos e me relacionava com um público mais jovem. A livraria foi montada para esse público. Não queria pensar em primeiras edições. Era um público universitário  e nós iríamos começar alí e terminar a vida juntos. Isso estava muito claro na minha cabeça. De uma certa forma foi o que aconteceu com a Dona Vanna; ela acompanhou a vida dos seus clientes e eles a dela. Acho que esse é o jeito de se fazer uma loja, pensar no seu perfil, na sua geração ou se não perde o tiro.

Qual a influência que a Berinjela teve em outros sebos como o Baratos da Ribeiro?

Essa influência tem mais a ver com o olhar generoso do Maurício para conosco, o que me deixa muito emocionado por que é um cara que conseguiu transcender essa pretensa influência. Ele fez mais e melhor do que eu fazia quando comecei a Berinjela. Faz shows muito melhores, criou uma rádio, trabalha muito bem com o vinil, articulou com um grupo de pessoas muito fiéis à loja dele. Se fui um pontapé fico orgulhoso porque ele foi além naquilo que eu pensava ; criar uma tribo, um grupo de gente que te visitasse sempre. Na Berinjela esse embrião foi para um outro lado: temos uma clientela que vem ver livros todo dia, enquanto que o Maurício criou uma tribo que se encontra lá todo dia. É um pouco diferente, talvez o que eu imaginasse para a loja mas não consegui fazer

Por que acha que não conseguiu?

No meio do caminho descobri que queria outra coisa. É desgastante estar presente para as pessoas todo o tempo. Eu queria que elas vissem o que tinha no acervo, se abastecessem e eventualmente pedissem indicações. Nosso trabalho é exaustivo e não podemos ter uma relação de tribo com o cliente. Temos de abastecê-lo com coisas que nem imagina querer, o melhor produto, a melhor ambientação. Se for me dedicar  a um por um,  saio no final do dia estuporado. É uma questão de abastecer as prateleiras e deixar o cliente curtir o ambiente. Acho que o Maurício interfere demais nisso. Mas é brilhante porque é um esforço hercúleo, não sei como consegue. Houve um momento em que quis ampliar a ideia de tribo que frequentava a Berinjela para uma gama maior de pessoas. E a Da Vinci foi importante para me dar conta disso. Os clientes dela não vinham à Berinjela, havia um preconceito. Mas quando comecei a ter mais livros importados usados, me especializei em história, filosofia, política e antropologia isso mudou. Passei a ter um público universitário muito mais amplo e gostei.

Por que abriu a Berinjela em frente à  Da Vinci?

Tinha de sair de onde estava e havia essa loja. Nunca gostei da ideia de galeria porque restringe a visão de mundo, restringe o público. Mas achei que ter outra livraria ao lado, com 50 anos seria perfeito. Fiquei receoso da reação que teriam. Quando fui me apresentar à Dona Vanna ela estava em uma lanchonete da galeria e cheguei com o livro mais caro que tinha, um grande do Picasso, para lhe dar de presente. Ela estava comendo uma coxinha, e, invés de estender a outra mão para me cumprimentar, deu o cotovelo. Aquilo quebrou o gelo; não vai ter essa de minha excelência. Dona Vanna é capaz de atos de extrema gentileza, como sempre foi, e outros de grosseria, como interpretei aquele, já que estava tremendo como um bambu. Mas acabou que foi uma relação muito boa ao longo dos anos. Dona Vanna e Milena nunca foram de fato grosseiras comigo, pelo contrário. Mas levou um tempo para entenderem que eu não era um aventureiro, que era do metier do livro e não iria envergonhar a galeria. Demorou uns cinco ou seis anos, não foi rápido. Éramos vizinhos, mas não parceiros. Tinha comigo a convicção que eu era uma possibilidade da Da Vinci se renovar enquanto  galeria e de que tê-la ao lado potencializava a minha sobrevida como livreiro. Acho que principalmente a Milena se deu conta de que era uma relação positiva para a livraria dela.

E a relação com o Daniel , novo dono da Da Vinci, que chegou depois de você?

Muito boa. Entendemos o quanto um ajuda o outro e a galeria cresceu com a chegada desse ar novo. Mas sinto saudades da antiga Da Vinci porque tem a ver com a história das livrarias da cidade. A visão que tinha, desde moleque, de que ela era a melhor livraria do Rio de Janeiro ficou até os últimos dias daquela Da Vinci. Acho que a Milena é uma das pessoas mais combativas do universo do livro. Faz muita falta. Mas hoje existe uma tabelinha mais bem azeitada com o Daniel, em termos de negócios. Quando ele faz lançamentos me avisa, quando faço uma feira informo a ele. Os dois tentam se ajeitar para que ambos ganhem com isso. Mas na minha modesta opinião o Daniel cometeu o erro de comprar a marca Da Vinci. A livraria que ele tem independia do nome. A ideia da Da Vinci era a da Dona Vanna, que teve sequência com a Milena. O Daniel veio com a experiência de outro universo das livrarias, mais jovem, mais arrojado. Mas não tem o espírito daquela Da Vinci e ele tem de enfrentar a resistência da antiga clientela; muitos quando perceberam a diferença vieram  à minha loja dizer “ Mas isso não é a Da Vinci!”. As pessoas cobram dele o que é impossível para os dias de hoje. O Daniel não tem o carisma da dona Vanna ou a potência da Milena, mas tem o seu valor. Ele faz outro tipo de livraria e é um cara jovem; precisamos de gente jovem tocando o negócio ou vamos virar uns senhores antiquários.

A Da Vinci tem uma forte posição política, e a Berinjela?

A gente se posiciona todo dia na loja. Talvez seja menos direto porque o Daniel sente necessidade de arregimentar sua tribo nesse momento como já tive no passado. Mas gosto de receber gente da direita na loja, mesmo que seja para discutir, e que eles sintam que aqui não é um lugar restritivo. Uma vez o Cristovam Buarque entrou na loja e tratei ele bem. Acho muito rasa  a ideia de que o Brasil está dividido entre fascistas e homens de bem. Acho que há homens de bem, na direita, na esquerda, corruptos também. Para mim está muito claro o que quero de uma forma macro; um país mais justo socialmente, emprego para todos. Sou de centro-esquerda, mas a livraria é um universo um pouco mais aberto, ou deveria ser. Colocamos um vídeo no FaceBook com a manifestação na Bienal contra a censura, mas não considero isso proselitismo político. É uma necessidade. Somos contra a censura e o que aconteceu lá foi uma tentativa de censura. Mas ficar todo o tempo se colocando politicamente acho que é escolher um lado. Eu Fernando Daniel Chomski sou um homem de centro-esquerda, votei no Ciro Gomes, acho absurdo o Lula estar preso. Já a livraria faz manifestações mais gerais sem ser opressiva a quem não pensa da mesma forma. Claro que quem acredita que a censura é um caminho para esconder a questão de gênero não vai visitar a Berinjela. Alguém que ache melhor ter mais armas que livros também não. Mas na livraria pessoas de bem de direita, esquerda ou de centro são benvindas. Precisamos reestruturar o país, levá-lo adiante e quebrar esses paradigmas de eu contra eles.

Qual  foi sua experiência como livreiro antes da Berinjela?

Minha primeira livraria se chamava By The Book, era na Conselheiro Saraiva, no Centro.  Também era um sebo  com a ideia de tribo; o lugar era improvável, a escolha de livros era muito limitada, só comprávamos autores que gostávamos, o que deu um ar cult. Havia muita divulgação em jornal, rádio e foi muito bom. Mas meu sócio  e eu tínhamos 22 anos e nenhuma experiência em vendas. Depois ele foi fazer outra coisa e fui para a loja ao lado. Sobrevivi um ano bem difícil até ser convidado para a Brumário, uma loja de livros novos na Almirante Barroso, onde era a Atheneo. Na Brumário meu universo se ampliou de uma certa forma mas eu não estava feliz trabalhando com livro novo. O livro usado tem outra característica que me atrai mais ; ir na casa da pessoa comprar os livros, diferente de você ligar para uma editora. Você entra na vida da pessoa e descobre livros que nunca tinha visto. Passados 25 anos ainda descubro livros que não conhecia. Isso é sensacional; o que mais gosto na profissão. Na Brumário, a sociedade não funcionou bem, eu era minoritário e tive que sair.  Foi quando abri a Berinjela. Eu só me referia ao projeto de uma livraria como Berinjela, Nabo e Jiló. Havia uma brincadeira nisso mas também uma ideia de quebrar com a nomenclatura que se referia de uma forma, quase que arrogante ao livro. Não conseguia imaginar outro nome que fosse subverter essa arrogância. Hoje o nome Berinjela me soa pretensioso, juvenil, porque naquela época eu era jovem, arrogante e pretensioso. Uma vez um rapaz veio e disse que tinha aberto uma loja virtual pensando na gente e disse : Banana Books. Será que era o tipo de homenagem que eu queria?

Como era a participação da Berinjela  na Feira do Livro que circula pela cidade?

Quem trabalhava lá era a minha mãe, que gostava de fazer a feira. Fiz um pouco por ela e por mim; era uma forma de desafogar o acervo. Quando todos os filhos ficaram aqui no Brasil ela resolveu vir e a Feira era uma forma de ter uma renda. embora não dependesse disso. Mas chegou a um ponto em que a Feira perdeu o sentido e parei. A princípio ela tinha um aspecto; chamar para a livraria, ou para a editora, uma espécie de mostruário;  não era um fim em si mesma. Mas se tornou um fim em si mesma, muita gente deixou de ter livraria para fazer só a Feira. Isso causa uma questão porque hoje em dia nós pensamos em como salvar as livrarias do Rio. Como então permitimos essa concorrência desleal; alguém aloca o espaço público com 10 lojas durante um mês, que tenha exclusividade e controle sobre quem participa. Virou um feudo; uma relação danosa para o espaço público, danosa para as livrarias e não vejo um público criado alí. É um espaço de saldo, de livro mal cuidado. Quando abri a loja imaginava crescer com a minha clientela, que aquilo iria ramificar e frutificar;  gerei quatro outros livreiros. O que a Feira gera de fato a não ser a possibilidade de se comprar um livro mais barato? Hoje sou contrário a como as feiras se dão. Não adianta fazer feira de 50% das editoras universitárias. É bom para o comprador no momento, mas se trabalho com livro novo, não aceito essas editoras no meu acervo. Elas vêm para minha cidade com desconto de 50% quando para mim os descontos são de 30 a 40% e se não pago me protestam. Não é uma relação parceira. Por que as editoras não buscam criar um showroom nas livrarias? Com a possiblidade de o leitor comprar em qualquer plataforma fica meio sem sentido ter livraria. Precisamos dar sentido à livraria porque ela é um lugar pulsante na cidade; onde se encontram pessoas, se debatem ideias. A responsabilidade não é só das editoras; as livrarias têm grande parcela de culpa quando editoras buscam caminhos alternativos para subsistir. A Berinjela que trabalha com usados  é muito menos atingidos por isso. Mas vou advogar pelas livrarias; este mês vamos ter uma feira universitária na UFF, uma feira universitária na PUC e a Primavera Literária . Porque eu iria a uma livraria se nessas três feiras vou ter desconto em livros que estão nas livrarias. Como a Da Vinci vai faturar em outubro? Nessa história do ovo e da galinha, na crise das livrarias, as editoras têm uma responsabilidade. É uma discussão difícil porque muitas das pessoas da LIBRE, que faz a Primavera Literária, são amigas. Mas se concordamos que as livrarias são importantes e necessárias temos de ter um calendário mais enxuto de feiras, seja da ABL, da LIBRE ou das editoras universitárias.

A adesão das livrarias à política de descontos é um caminho eficaz?

Neste momento de precarização é algo necessário, mas do ponto de vista ideológico, milito mais a favor do Preço Único do que dos descontos. O Preço Único leva o cliente a ir  na livraria da sua predileção, enquanto na política de descontos ele vai atrás do desconto. E às vezes vai em livrarias predadoras de outras livrarias, como a Cultura e a Saraiva. Temos de ter uma conversa sobre temas difíceis, porque é fácil ser contra a feira da ABL, é uma obviedade, todo o tempo estão loteando o espaço público, não se preocupam com o ambiente livreiro. Um outro caso é a LIBRE, que pensa no ambiente livreiro, mas ao mesmo tempo é vítima e causadora de um problema. São pessoas que percebem que aquilo é algo problemático e que têm de fazer alguma coisa para ajudar a resolver, mas não estão isentos de estarem no bolo da discussão. Políticas de desconto são razoáveis para um tipo de estoque. Mas como  praticá-las com lançamentos, com livros de referência. Assim você mata quem não faz parte dessa política.

A Berinjela está na Estante Virtual?

Estamos com um acervo pequeno.  Na internet nosso barato são as redes sociais, onde encontramos uma nova clientela. A Estante Virtual entra no rol da política de desconto. Ela, como Mercado Livre e outras,  são um leilão às avessas. Ganha quem tem o menor preço. Você coloca um livro a 50 reais, que é o melhor preço e alguém baixa para 49, 48, 40. Ao longo do tempo cria uma tendência de depreciação do valor do livro que é muito ruim. A Estante Virtual teve várias características ao longo do tempo. Primeiro procurou o livreiro para entrar, depois tirou do livreiro o endereço. Diziam que o livro estava na Berinjela mas não diziam onde a Berinjela estava, impediam o acesso à livraria. Há dez anos, isso era um empecilho. Depois de uma militância, conseguimos que colocassem de volta endereço e telefone. Mas ela funciona como uma espécie de Uber onde somos os motoristas. Estipulam descontos, o tipo de venda de cartão de crédito; num momento havia 6% ou 7% de comissão, hoje a venda com cartão de crédito tem desconto de 18%; uma imposição militar. Logo depois a Estante Virtual foi vendida para a Cultura, ou  seja, era uma política para encher números. Ela fez algo que nem a Feira do Livro , LIBRE, ou qualquer outra pudesse imaginar  fazer: a extinção de uma série de sebos da cidade. Criou uma concorrência tão desleal que fez as pessoas desistirem das lojas físicas e irem para o universo virtual. Quando mudou a política de comissão traiu o livreiro que migrou. Para o livro estar lá tem de ser mais caro do que eu venderia na loja e mais barato no ambiente virtual. Dá muito trabalho, mas com um rendimento alto. Com esses mil livros que temos lá faturamos 6 mil reais e tenho noção de que é um faturamento alto no universo da Estante Virtual. Vendemos hoje a mesma quantidade nas redes sociais com um trabalho muito mais próximo ao cliente. Uma interação diferente, bacana.

De onde veio a ideia de fazer posts com fotos de pilhas de livros nas redes sociais?

Sinceramente não lembro. O Dolina, um escritor argentino, diz; “ as grandes ideias não cabem nos pequenos bolsos”. Acho que não fui eu o primeiro a fazer e creio que todo mundo vai fazer também. É uma ideia legal que permite uma interação grande com o cliente. O povo das redes sociais está conectado na internet, está pesquisando e percebe que aquele é o melhor preço.  Na loja, alguns tentam regatear e isso me incomoda um pouco porque parto da noção que tentei colocar o melhor preço possível. Quando uma pessoa vem com um livro na mão, que está marcado R$ 25, e pergunta se dá para fazer por R$ 15, me ofende. Se pudesse ser R$15 eu não teria marcado R$ 25. Parece que pensam; “ vou jogar um pouco para ver se esse morto de fome me vende pela metade do preço”. Isso acontece também no Mercado Livre onde há possibilidade do cliente fazer perguntas.. Não quero me dar bem. Quero que o cara me ajude no faturamento da loja, quero atraí-lo para a loja porque ele compra aquele livro e mais um.

Qual a sua relação com o livro eletrônico?

Não leio e acho que o leitor que perdemos para esses meios eletrônicos não faz falta. É uma minoria que migraria para qualquer outra plataforma, se não fosse um Kindle, talvez um chip implantado no cérebro para ler livros. São pessoas antenadas com a modernidade, que não têm grandes bibliotecas em casa. Ou são pessoas que usam o livro eletrônico como complemento; um acadêmico que gosta de ler livros policiais mas não tem espaço em casa. Esse pessoal  tem um pé na modernidade, de ter o que há de melhor, o celular, a TV. O cliente do livro é mais antiquado; para ele o livro é o objeto perfeito; é anatômico, independe de bateria, ninguém vai temer abrir um livro com medo de ser roubado. Nesse sentido é um objeto absolutamente contemporâneo. Você não empilha Kindles numa prateleira. Uma psicóloga amiga disse que o que nos resgata do precipício é a nostalgia; algo que nos remeta à infância, a um certo momento da vida. Acho que o livro é o que nos resgata desse estado de melancolia; você está triste, sozinho, abre um livro.

Como vê o mercado livreiro brasileiro comparado ao da Argentina?

Com relação aos sebos, os brasileiros, até uns 10 anos atrás, eram melhores. Aqui você tinha oportunidades que não havia nos sebos de lá. O sebo argentino é muito caro, trabalha com qualquer qualidade de livro, não se preocupa se está em bom estado. Aqui tínhamos em certa época o Sr. Osmar, da  Brasileira, no edifício Avenida Central, tinha a Universal que ficava na rua do Rosário, onde também existia a Kosmos, com a dona Margarete, a melhor livreira do Rio de Janeiro. Qualquer pessoa interessada em ser livreiro tem de passar por Dona Margarete. Fui cliente dela em determinado momento e ela também me tratou de uma forma muito generosa; gosta de ensinar, é carinhosa com o jovem. Quando comecei a livraria houve um pequeno boom na abertura de sebos. Teve a Ana, da Dantes, o Marcelo que criou os Livreiros Associados, que tinham a Graciliano do Ramo, a Baratos da Ribeiro e a Imperial. Hoje não se vê mais isso; é um pouco assustador. Há uma necessidade de valorizar a entrada de jovens nesse mercado ou vamos ficar para a posteridade. Temos que criar não só um público de clientes mas um público de livreiros. Me orgulho de 4 ex-funcionários meus trabalharem com livros; o Ivan que abriu a Belle Époque, no Méir, o Mauro que abriu uma Berinjela em Petrópolis, o Felipe que trabalha na internet e o Rafael Gutierrez que tem uma editora.

Qual é para você o papel de uma Associação de Livrarias?

Acho fundamental ter as associações, sindicatos; pessoas que tentam confluir com seus interesses e, se eles são genuínos, só podem fazer bem às instituições. Mas o que me incomoda na Associação é que a gente não discute a questão do livro. São discutidas coisas pontuais para a sobrevivência das livrarias, como isenção de IPTU, Vale Livro. Mas ainda não partimos para o fundamental; como fazer para que as livrarias continuem subsistindo, como pensar essa relação com as editoras, como criar uma pressão sobre elas para que entendam o papel das livrarias. Acho que a questão do livro não passa só pelas livrarias; é uma cadeia que vai desde o catador de livros, que vai reciclar o papel, até a edição do livro e vice-versa. Não vejo a Associação preocupada, ou com tempo, de ver esse embroglio, como resolvê-lo. Estamos muito preocupados com nossos  problemas pessoais. Entendo que as editoras têm uma questão com as livrarias. Se eu fosse editora venderia meus livros na internet. Como alguém que pensa o livro, acho isso ruim, mas entendo essa posição. Se me disser que alguém é contra a isenção de IPTU para as livrarias também vou entender, porque para uns vai ser um bom desconto e para outros fará  pouca diferença. Mas a Associação é vital, precisamos mantê-la; é o embrião de algo importante que vai surgir; essa discussão ainda vai acontecer e é preciso ter o veículo que possa aglutinar todos.

 

09/10/19