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O livro continua na mesa


A revolução do ensino de línguas pela internet  não  tirou a importância do livro no aprendizado e livrarias especializadas em idiomas têm crescido até para o exterior, mas também abrem os acervos a outros segmentos do mercado editorial.

 

Mesmo a facilidade de consultar  dicionários on-line não exterminou os tradicionais em papel;  eles tiveram  a venda  bastante reduzida  mas continuam  sendo exigidos nas escolas e têm os seus aficionados. O livro didático, no entanto, continua importante no aprendizado de línguas.

A maior rede de livrarias de idiomas do Brasil, a Special Book Service – SBS, tem 30 lojas no país, 19 no Peru e 6 na Argentina. A Disal, em segundo,  tem 19,  as mais novas inauguradas  nos últimos três anos com previsão de mais duas unidades em 2019.

Num mercado onde o inglês é o idioma mais procurado, o espanhol está em segundo e o francês, língua estrangeira mais falada no país até o início do século XX, vem em terceiro, ainda com boa demanda; a Livraria Francesa, de São Paulo, inaugurou duas lojas no Rio em 2015 e uma em Brasília, em 2016.

A rede de ensino Cultura Inglesa, que depois da compra do curso  Britannia em 2018 se tornou a maior do Rio, afirma ter crescido no faturamento ano passado, apesar da crise econômica, e pretende crescer acima da inflação em 2019.

Para as livrarias,  as maiores fontes de clientes são escolas e cursos de idiomas e  na volta às aulas  algumas montam estandes em estabelecimentos de ensino, embora alguns estejam hoje vinculados à grandes players da educação como a Pearson, dona do Yazigi, Wizard e Skill  , que ensinam com  material próprio.

Livrarias não especializadas  mas que vendem livros de idiomas como a Eldorado, tradicional no ramo de didáticos, contam, segundo o livreiro Isaque Lerback,  apenas com divulgação feita pelas próprias editoras nas escolas para a venda dos livros desse segmento na loja.

No Rio, as três maiores livrarias de idiomas  são gerenciadas por mulheres que, coincidentemente, ingressaram no mercado na, hoje extinta, Ao Livro Técnico uma das primeiras livrarias segmentadas da cidade fundada na década de 40; Maria Helena Degobi, da SBS,  Marilda Pontes,  da Martins Fontes e  Zilda Gomes, da Disal.

A SBS tem quatro lojas no Rio e Maria Helena, lembra que até o início da crise econômica em 2014  havia bom movimento  e espera uma retomada com o novo governo. Das livrarias de idiomas do Rio, a dela é a única que tem um serviço de café, terceirizado, que funciona no segundo andar da loja.

Há clientes que frequentam a  livraria pelo café  e por estarem alí, eventualmente compram livros e há os que vão pelos livros e aproveitam para um café numa sinergia lucrativa, segundo ela.

Apesar da especialidade em idiomas a SBS abriu o acervo para os best-sellers  da revista Veja e do site PublishNews, expostos logo na entrada,  e a partir deste ano recebe listas de material escolar com outros didáticos além dos de idiomas.

A Disal, vinda de Botafogo e  gerenciada por Zilda Gomes foi a quarta livraria a se instalar na galeria do Edificio Marques do Herval, na avenida Rio Branco, onde estão a Leonardo da Vinci, Berinjela e Martins Fontes.

Também abriu o acervo para best-sellers e aproveitou a escassez de livros infantis nas lojas vizinhas para torná-los a atração principal nas primeiras mesas da loja. Como a SBS, a Disal é distribuidora  e mantêm bom relacionamento com as concorrentes; “Compramos  livros nacionais com  a Martins Fontes e vendemos os de idiomas para eles”.

Marilda Pontes, com 40 anos de mercado, diz que  nunca viu crise tão grande mas relatou  uma melhora, como na Black Friday, em novembro e agora na volta às aulas quando a livraria é procurada por uma clientela fiel; “A Martins Fontes  também está aperfeiçoando o site para melhorar as vendas on-line”.

Marilda cita outros problemas  para o livro de idioma, além dos cursos pela internet e das grandes escolas como a Eleva que usam material próprio; são  as  tradicionais fotocópias e os, mais modernos, livros em PDF.  Mas, através de grupos de professores de inglês no FaceBook,  ela monitora os livros  que estão em PDF  para reduzir os pedidos para a loja.

Acredita que as livrarias de idiomas serão beneficiadas pela  crise da Cultura e da  Saraiva  que também atuam no segmento idiomas e critica  a Saraiva ; “péssima concorrente; colocavam os preços lá embaixo; ou ganhavam muito desconto ou alquém ali não sabia fazer contas”.

Para ela, por ter sido o Rio a Capital Federal  há  mais interesse no francês aqui do que em São Paulo; “ era chic conhecer o idioma”. Diz que a cidade tem mais escolas que mantêm a obrigatoriedade do francês; “ mas a tendência é  diminuir”.

Já a Livraria Francesa, de São Paulo, apostou no mercado carioca; inaugurou duas lojas no Rio em unidades da Aliança Francesa, escola que perdeu alunos durante a crise, fechou duas  filiais e abriu outras duas, mas teve, segundo o diretor de marketing Luiz Carlos de Carvalho, número recorde de inscritos no curso de férias deste ano.

Segundo ele, há poucos cursos interativos de francês na internet, ao contrário do inglês; “a maior parte é conteudista, com ênfase na memorização e é preciso ajudar o aluno a ter uma expressão própria no idioma”.  Assegura que o livro continua a ser a base do ensino na Aliança mas hoje está acoplado à plataformas on-line onde se tem acesso à outros tipos de mídias.

Cristiano Martins, gerente da Livraria Francesa, na Aliança de Ipanema, diz que além dos didáticos a loja tem acervo amplo; da filosofia aos quadrinhos, mas que nos últimos dois anos o movimento caiu bastante; “ uma mostra de que a crise afetou a elite que fala francês; os livros são caros”.

A matriz da Livraria Francesa  em São Paulo tem 72  anos, usa o  slogan “ O livro é o pensamento do mundo”;  tem outras seis filiais e recentemente passou a editar livros. Cristiano diz que o diferencial da  rede é a pronta entrega; “Na Amazon o frete às vezes sai mais caro que o livro e clientes nossos reclamaram  que eles já  demoraram muito a entregar”.

O presidente da Associação Nacional de Livrarias, Bernardo Gurbanov, também é dono de uma livraria em um curso de idiomas; a Letraviva, no  España Aqui, em São Paulo, que ele diz ser uma nano livraria, pelas dimensões.

Com quarenta anos no mercado nacional, Bernardo, que é argentino, lembra que a Letraviva  começou pequena em 1979, como importadora e distribuidora de livros em espanhol, cresceu, chegou a ter trinta funcionários, com uma livraria em Belo Horizonte, além da de São Paulo, mas voltou às origens à espera do momento oportuno para retomar o crescimento.

Para ele, o aprendizado autodidata de idiomas oferecido  pela internet  não é suficiente; “tanto a expressão escrita como a oral têm necessidade do professor para  corrigir e orientar”. Na Letra Viva, ele, com o domínio da língua, oferece o diferencial que, acredita, toda livraria segmentada deva ter; a sua esposa e filho  oferecem aulas de espanhol.

Segundo Gurbanov, o governo Temer fez um estrago pesado no mercado  com a reforma no ensino médio, que retirou a obrigatoriedade do ensino do espanhol. Mas acredita que em alguns estados onde há mobilização política de associações  a medida possa ser revertida.

Também lamenta que o ex-presidente não tenha assinado a medida provisória, elaborada por entidades do mercado, que iria regulamentar os descontos e seria uma alternativa à Lei do Preço Fixo. Diz que a postura do novo governo é uma incógnita, mas não tira a autonomia das outras instituições e dos parlamentares.

Sobre  a possibilidade de aumento do  interesse pelo espanhol  no Brasil nos próximos anos, Bernardo citou o filólogo espanhol Antonio  de Nebrija  que em 1492, ano do descobrimento da América, escreveu na introdução  à primeira gramática espanhola; “La lengua va de  la mano del império”, a língua vai de mãos dadas com o império.

 

25/01/2019