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O consumidor de livros nas livrarias


Com o diferencial do livro enquanto produto, os clientes têm comportamentos específicos como relacionou o escritor, editor e ex-livreiro Leandro Müller em palestra no Sindicato Nacional dos Editores de Livros.

A palestra Comportamento Consumidor em Livrarias ministrada na última quinta feira, 19, por Leandro no auditório do SNEL , faz parte de uma série de eventos mensais na entidade  sobre o mercado editorial.

Exclusiva para os associados , reuniu representantes de pequenas, médias e grandes editoras, das independentes às religiosas, que no café servido antes do evento expunham diferentes nuances do mercado editorial.

 

Leandro Müller cita Ítalo Calvino sobre os motivos que levam o consumidor à compra de livros


Vania Abreu, da Editora Valentina,  revelou sua expectativa quanto ao futuro da Saraiva e da necessidade de união dos setores do mercado neste momento difícil, enquanto Denilsa Moreira, da Editora Lumen Christi, comentava o bom movimento da livraria de mesmo nome no Mosteiro de São Bento privilegiada por estar em ponto turístico religioso.

A palestra de Leandro, em parte baseada em seu livro O Consumidor de livros: práticas de comportamento em livrarias, lançado em 2015 pela editora Ilustração, teve como subtítulo  Da produção do Livro à compreensão do público alvo e começou com uma breve e reveladora história do livro.

Segundo ele, ao contrário do que ensina o senso comum, o primeiro livro impresso por Gutemberg não foi a Bíblia, mas a Gramática de Donato; o livro sagrado, então já um best- seller, ganhou o título de pioneiro por  interesses óbvios.

Mas, os primeiros livros impressos não eram bem vistos pelos leitores que preferiam obras escritas à mão, daí a necessidade das fontes imitarem uma caligrafia nos chamados incunábulos. Isso acontece hoje com o e-book , explicou Leandro, ele tenta imitar o livro impresso mas deve descobrir novos formatos no futuro.

Foram muitas as invenções tecnológicas que alteraram o livro, uma delas as ferrovias, que determinaram o surgimento de livros em formatos menores, para serem  levados nas viagens, com histórias mais curtas, compatíveis com o tempo do trajeto.

Leandro abordou algumas teorias que analisam o consumo em nossa era, desde o economista Veblen que apontava o desperdício como sinal de status até Daniel Miller , antropólogo com vários estudos sobre o consumo de massa e Baudrillard com a teoria dos objetos como signos.

Ao chegar nas livrarias, dividiu, como está em seu o livro, o consumidor em três categorias de acordo com o comportamento; o Assertivo, o Temático e o Receptivo.

O Cliente Assertivo quer um título específico, mas ao entrar na loja pode ser dividido em 5 subcategorias; independente, consciente, prudente, parcial e desinformado. O Cliente Temático procura por assuntos ou gêneros e o Receptivo  é o mais aberto às indicações do livreiro.

Com sete anos de trabalho em livraria Leandro passou também sua experiência pessoal e usou sua altura, 2,05m, para uma metáfora de como grandes e pequenas livrarias têm funções distintas no mercado e devem investir nesse diferencial.

Formando em filosofia e publicidade, com mestrado na área de Comunicação sobre autopublicação, Leandro tem um livro sobre o tema: Como editar seu próprio livro.Também dá aulas a nível de pós graduação sobre mercado editorial ,é designer da Câmara dos Vereadores e empresário.

O acumulo de funções não o intimida nem o desqualifica; “somos plurais, podemos fazer muitas coisas”, disse ele à AEL depois da palestra no SNEL. Mas, mesmo “calçando os sapatos” de todos agentes da cadeia produtiva do livro, do escritor, ao diagramador, designer, editor e livreiro ele, ávido consumidor de livros, está mais à vontade com os chinelos de leitor.

 

A pesquisa para o livro sobre consumo começou  quando foi trabalhar em livraria?

Não, foi um pouco depois. Eu notava que as pessoas  na livraria não sabiam o que queriam. Todos para mim pareciam o tipo de cliente que quer um livro mas diz   “Não sei o título, esqueci o nome do autor”. Para entender o porque dessa minha percepção comecei a analisar como as pessoas compravam. Na maior parte do tempo em que trabalhei em livraria fiquei coletando esses casos e no último ano, em 2014, depois de ter saído da Travessa é que organizei o livro. Compilei todos os dados que tinha guardados em fichas e fiz as análises. O livro tem 98 casos de atendimento e cada um com uma lição  sobre cada um. Foi publicado em 2015 e me surpreendeu a repercussão junto a  professores da USP, da Universidade de Santa Maria, ligados à produção editorial. É uma pesquisa que não havia sido feita antes. Recebi um retorno muito positivo do Anibal Bragança, da editora da UFF, do Ítalo Moricone que era da UERJ. O próprio Luiz Schwarcs gostou, o  Marcelo Levy, diretor comercial da Companhia das Letras  fez um depoimento que está no livro. Tem depoimento do Carlos Carrenho do PublishNews, hoje a mídia mais importante do mercado editorial brasileiro.

Por que o livro só está à venda na Livraria da Travessa?

Por uma questão de logística. Não gosto muito de correr atrás dessa parte operacional. Só quero que o livro esteja acessível para quem tiver interesse em comprar. Como tenho uma boa relação na Travessa não preciso ficar enchendo o saco de ninguém. Não é um livro que vá virar best-seller; é muito específico, para profissionais do mercado. Eu tenho de atingir essas pessoas de uma outra forma; mostrando para eles nos locais que frequentam, conversando, dando palestras e apresentado o livro. É de 2015 e ainda não me preocupei em ver o resultado de vendas. Ele foi feito como publicação sob demanda que se vender tudo faremos nova tiragem. Meu livro sobre autopublicação já vendeu 5 mil exemplares, mas sempre com tiragens  de cem em cem, nunca mais que isso.  Mas para esse o mercado é bem maior; outro tipo de público.

Como você  vê o aumento na publicação de livros?

Não acho que seja algo recente. Na aula que dou sobre autopublicação a primeira coisa que mostro é o texto de uma pessoa reclamando que hoje está muito fácil escrever  e  que todo mundo publica livros.  Parece que está falando de hoje mas é um texto do Walter Benjamin de 1936 que está em A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica. A autopublicação é tão antiga quanto a imprensa. Até o século XVIII os editores se apropriavam muito das obras dos escritores, que não eram remunerados por isso. Então o que o escritor fazia para ganhar dinheiro, isso de 1500 a 1700; arrumava alguém para financiar o livro ou ele mesmo se autofinanciava e ganhava dinheiro vendendo os exemplares. Não ganhava em cima do direito autoral mas do material livro. Era autopublicação, chamava-se edição do autor. Há um capítulo sobre isso  em O Aparecimento do Livro obra de 58 do Martin e Lebfre publicado  recentemente pela EDUSP. Isso já existe desde sempre mas agora está se formalizando, se organizando, inserido dentro de um contexto econômico diferente. Claro que com a internet se tornou uma coisa exponencial, mas o mundo também cresceu, a população também cresceu. Se for estudar as tiragens de livros elas são as mesmas desde o começo. Como hoje havia tiragens de 100, 200 exemplares e as tiragens maiores giravam em torno de três mil. A diferença é que agora publicamos muito mais títulos e há mais leitores. Mas as tiragens são as mesmas, a história vem com essa repetição. Nós editores e livreiros deveríamos estudar mais a história do livro. Ler a história das livrarias, a História do livro no Brasil, do Hallewell. Quantos editores leram isso, na minha opinião poucos. Tem o Historia das Livrarias Cariocas, do Ubiratan Barbosa. Ele acaba de lançar um novo sobre capas de livros brasileiros.

Você, que é ligado a produção visual, como vê o e-book onde o livro não tem capa?

O e-book tem de existir e talvez vá se tornar outra coisa. Mas ele pode ter uma capa também com a especificidade dele. Estou falando de algo que vai ser um tumbnail pequeno no site. Tenho uma ideia que poderia ser adotada; como gostamos de colecionar coisas, alguém poderia criar uns cards do tamanho do Kindle, por exemplo, que seriam as capas de cada livro. Você compra o livro e recebe a capa que pode encaixar atrás de acordo com o que está lendo. A produção disso é barata. Você compra o e-book e recebe as capas em casa  e elas também servem como um fichário. Seria legal ter a experiência tátil com as capinhas dos livros que você tem. As vezes são tantos livros no digital que você nem lembra mais. São oportunidades que estão aí e alguém vai criar um dia. Eu leio no digital mas prefiro ler no papel. Tem algumas coisas que leio no Kindle, como algo mais rápido. Mas o livro para mim não é um objeto sagrado; eu rabisco, amasso, tomo nota; é uma matéria com a qual você interage. Há alguns que quando termino parecem não terem sido lidos por causa do cuidado que tive com eles ; são casos específicos de obras que não quero mexer. Mas a sacralização do livro pode assustar um pouco as pessoas. Recomendo uma relação mais íntima com eles ; “ah, mas depois não dá para ler de novo”,  compra outro, estimula o mercado a vender mais.

Como analisa o crescimento do mercado infantil nos últimos anos?

Leitura infantil  é igual a time de futebol. A criança não escolhe, ela herda o time dos pais. O pai que gosta de ler tenta botar o filho na leitura; compra livros para ele. Eu tenho um sobrinho e já comprava livros para ele antes dele aprender a ler; para contar a história, para ele se familiarizar com o livro. A criança aprende com o exemplo. Quem tem o hábito de ler vai passar para a criança. Acho que bem ou mal a humanidade caminha para uma alfabetização maior. Temos tendência de melhorar em alguns sentidos e a leitura é um deles. Vai haver mais leitura, ou porque tenha mais gente no mundo e proporcionalmente mais gente lendo.

Você acredita nas políticas públicas de incentivo à leitura?

O governo tem de apoiar. Mas acho ruim que algumas editoras se utilizem disso para basear a sua existência. Agora acabou o incentivo e  várias delas quebraram porque não eram sustentáveis, dependiam do governo. É quase um assistencialismo. O mercado tem de ser sustentável. Ainda estou formando minha opinião sobre a Lei do Preço Fixo. Sou grande consumidor de livros e não sei se deve prevalecer a minha opinião de profissional do mercado ou a do leitor que compra. Acho que a bibliodiversidade encontra o seu caminho, veja como ela é favorecida pela autopublicação. A própria economia tende a tolher a bibliodiversidade porque você tem de publicar o que é vendável. Há outras questões, além da bibliodiversidade, que podem ser afetadas pela Lei do Preço Fixo; ela pode salvar o mercado, salvar as livrarias, que têm de existir. Não se pode contar com consciência ou bom senso, temos de ter planos mais eficazes. Mas gosto de conceitos como economia criativa. É nesse espaço que vamos ganhar. A livraria que conseguir ser criativa; trazer a sociedade para ajudá-la, se transformar em algo mais potente, distribuidor de conhecimento vai ser rentável. Acho que sempre há uma oportunidade de reinvenção.

Acredita em um movimento no Brasil como o Buy Local, dos Estados Unidos?

Acho que isso já acontece aqui, claro que em uma proporção menor. Mas há o surgimento de várias feiras de artesanato, comida orgânica, organizações como o Cluster, junta local. É claro que é preciso haver um diferencial na qualidade. Tem de ser oferecido um bom produto, um bom serviço, um bom atendimento. O público vai dar suporte para o local se ele é tiver uma qualidade.

Quais livrarias estrangeiras lhe marcaram especialmente?

A El Ateneo, em Buenos Aires, é muito bacana  e é capa do meu livro sobre livrarias com uma foto que tirei lá. Me agrada muito visualmente por ter sido um teatro. Na questão do acervo sou encantado com as livrarias francesas; são muito segmentadas. Você entra em uma livraria de filosofia e só vê livros da área como a Jean Gilbert no Quartier Latin que achava incrível. Já a Waterstones em Londres que é uma das maiores do mundo com oito andares não me impressionou. Gostei mais de uma em Berlim que era bem grande, algumas em Roma que tinham algo diferente em torno da arquitetura. Mas as que eu mais gostava e frequentava estavam em Barcelona. Tinha a  Le Raval com umas três lojas na cidade que eu gostava de ir para folhear livros, tinha um jeitinho que me fazia sentir bem ali.

O que acha da oferta diversificada de produtos nas livrarias, além do livro?

Isso já vem de algum tempo como a FNAC, por exemplo. Mas as Lojas Americanas vendem livros também e não são chamadas de livraria. Particularmente não tenho nada contra e até acho que uma livraria deva ter uma seção de papelaria, porque é algo que combina. Mas se você analisar que pode ler também um livro em um computador ele não deixa de ser um dispositivo de leitura. Não sou contra a venda de outros produtos mas acho que as seções devem estar bem separadas. A pessoa que vai comprar livros quer estar cercada por eles. Acho que o livro se mistura bem com o que é cultural;  quando vai comprar livros você está mais aberto para o conhecimento. Então ele combina com a música, com o teatro e as artes em geral. São coisas que agregam e que impulsionam umas às outras e fazem sentido.

Como foi sua entrada no mercado editorial?

Faz 20 anos; comecei  como estagiário  na Editora da UFRJ. Depois abri, com dois sócios, a editora Ilustração onde queria publicar uma revista de difusão científica de filosofia. Mas o que fizemos foi um guia cultural do Rio de Janeiro, no estilo da Time Out,  mas não durou muito. Durante três anos a empresa sobreviveu  com serviços editoriais, até os sócios tomarem rumos diferentes. Então, um amigo da Travessa me chamou para ir para lá, fiz a prova do processo seletivo e passei. Durante 7 anos trabalhei 7 vezes na Travessa porque juntava um dinheiro  pedia demissão e ia para a Europa. Acabava o dinheiro eu voltava e era recontratado. Trabalhei nas lojas do Leblon e Ipanema e era um livreiro dedicado; conhecia muito sobre livro. Estimulava coisas diferentes e organizei uma coletânea com contos de livreiros da Travessa. Convencemos o Rubem Fonseca, que nunca havia escrito um prefácio, a escrever um. Quer dizer, ele mesmo se convenceu e explica no texto que fez o prefácio por causa da gratidão muito grande pelos livreiros que o deixavam ler nas livrarias quando era novo e não tinha dinheiro para comprar livros. Foi sua retribuição. Participaram 15 funcionários da Travessa; Eu com três contos, o Roberto Pedretti tem dois, o Leonardo Marona também  está .Vários publicaram livros depois, alguns continuam na Travessa, outros foram para editoras. Tentamos fazer coisas diferentes na livraria, não só iniciativa nossa mas estimulando editoras independentes que queriam levar um livro para lá. Conversávamos muito com os editores e gostávamos dessa relação.

Quando foi a experiência na Livraria Da Conde?

Foi em um período intermediário. Saí da Travessa, fui para a  Da Conde. As duas tinham um perfil de público muito semelhante e muitas das pessoas que trabalhavam na Da Conde tinham saído da Travessa e era legal porque os donos estavam tendo a primeira livraria e puderam aprender com quem já tinha mais experiência. Mas o espaço era ótimo. Tanto a Travessa  quanto a Da Conde já tinham essa percepção de serem acolhedoras, um lugar para se estar, com café, onde você não ia apenas para comprar o livro mas para ficar e eventualmente comprar um livro. Um ambiente confortável, com música, sempre de um CD que estava à venda na loja. A seção de CDs e DVDs da Da Conde era muito boa com músicos trabalhando e cheguei  a trabalhar nela também  Era preciso ter um conhecimento grande do acervo da loja para poder sugerir; muitas das vendas eram para estrangeiros que vinham em busca da música brasileira.

Qual era sua formação quando começou como livreiro?

Era publicitário. Na Travessa a maioria dos livreiros eram graduados em alguma coisa. Não sei se é tendência no mercado mas lá havia esse perfil. Eles eram livreiros e algo mais. Havia gente com doutorado em história e que queria trabalhar como livreiro; queria estar perto do livro porque isso lhe dá muitas oportunidades.

Você já promoveu cursos para livreiros?

Para livreiros não. Nunca fizemos. Eu treinava livreiros na Travessa mas não sei se hoje haveria demanda já que está havendo uma redução no número de livrarias e temos muitos livreiros bem qualificados no mercado. Ou talvez seja uma impressão minha, porque na minha bolha conheço muitos livreiros, mas alguém que queira abrir uma livraria pode ser que tenha dificuldade em contratar. Nenhum dono de livraria chegou para mim pedindo indicação de um livreiro. Entre os editores, ao contrário, tem sempre alguém pedindo um diagramador, um revisor ou um produtor editorial bom; “preciso de alguém com um perfil assim, ou assado”. Então preparo pessoas para esse mercado e como livraria não tem ninguém me pedindo. Mas é possível ensinar qualquer coisa. Se a pessoa estiver interessada ela vai aprender. Existem técnicas de vendas e com o livro não é diferente. Mas acaba-se aprendendo trabalhando em uma livraria. Em outros países há cursos para livreiros; o Antônio Berto, da Travessa, fez um na Alemanha.

Por que deixou de ser livreiro?

Ganhei uma bolsa para escrever um livro em Portugal e dessa vez  fiquei seis meses. É sobre migração. Comecei em 2011  ainda não acabei , mas está muito atual.  Gira em torno de um incidente em Bragança que repercutiu na Europa inteira e foi capa da Time europeia numa matéria que  anunciava a cidade como  a nova zona Red Light  por causa da emigração de meninas brasileiras. O estopim da história foi um rico empreiteiro português que largou a mulher para ficar com uma dessas meninas. A mulher levou o caso para o prefeito e isso ganhou uma mídia incrível. Um caso de saúde pública, que virou caso de polícia, repercutiu em toda a Europa e gerou uma xenofobia grande contra as brasileiras. Os personagens existiram, fiz muita pesquisa em jornais da época, entrevistei pessoas envolvidas.  Mas não quero relatar uma história real, quero fazer uma ficção que trate da xenofobia. Quando voltei de Portugal fui trabalhar  em uma agência de comunicação e no site Portal do Servidor , da Prefeitura do Rio.

Qual a sua atuação hoje como empresário?

A minha empresa é a NESP, Núcleo de Estratégias e Políticas Editoriais; não tem sede física, é totalmente virtual. Nossos cursos livres são dados no Centro no espaço de uma sala alugada e os cursos que têm de ter ligação com o ensino superior são na Universidade Santa Úrsula. O próximo será  em 15 de setembro sobre escrita criativa. Acho que precisamos muitos ter esses cursos como os que também são oferecidos pela Susana Vargas no Estação das Letras. Já dei cursos lá e eles estão sempre me convidando para mediar mesas. Mas temos um perfil bem diferente. Ela oferece cursos curtos de introdução e os nossos são de profissionalização com 80 horas. Aprender hoje é muito fácil; no Youtube tem tutorial para qualquer coisa. Mas é um conhecimento superficial. Ninguém te ensina a ser um profissional de algo, nem a faculdade. Quanto recebe um diagramador, ou um revisor. Ninguém te fala; você aprende no mercado. Como é sua relação com seu chefe, com seu contratante. Nossa proposta é preparar a pessoa para o mercado; montar um currículo para apresentar numa editora.

Quais os outros livros que publicou?

Tenho nove livros, dois infantis, um de micro contos, o de contos que organizei para a Travessa, um romance psicológico que publiquei na Espanha, ganhou prêmio lá e tem prefácio do Enrique Vila-Matas, um dos meus escritores prediletos, chama-se Pequeno tratado hermético sobre efeitos de superfície. Foi escrito em português e traduzido para o espanhol. Meu primeiro livro foi o Código Aleijadinho, um policial publicado em 2005, e que nesses anos vendeu uns cinco mil exemplares. Foi adotado em escolas porque fala de história e arte, Inconfidência Mineira, Aleijadinho. É um romance policial com ação no século XXI, mas o personagem vai buscar pistas em Minas e se depara com vários documentos históricos. Tenho um sobre o Deleuze e Gattari que foi a minha monografia da faculdade de filosofia. Tenho um outro projeto sobre o Deleuze  e o meu tema é territorialização,  desterritorialização e reterritorialização, que é a forma como ele acha que o devir vai se aplicar no mundo. As coisas têm funções e damos a elas outras funções que não são as primeiras; se coloco meu celular sobre uma pilha de papéis ele passa a funcionar como um peso de papel, então ele se desterritorializou, ganhou uma outra dimensão além do celular. Ele se o livro é capaz de fazer essa desterritorialização; quando lemos um livro, nós modificamos a leitura e ela nos modifica e a coisa se permeia. Mas ele não afirma se isso acontece, ele pergunta. A minha proposta agora é de responder essa pergunta. Em cima do pensamento dele, analisar a relação das pessoas com o livro.

Quais os seus autores preferidos?

Tive uma experiência ano passado de um Clube de Leitura na Maison de France, de autores contemporâneos e me surpreendeu muito o Michel Houellebecq , especialmente o Submissão; um dos melhores livros que li nos últimos tempos; principalmente nos primeiros três quartos, no final ele estragou um pouco. Incomoda muito porque é uma ficção distópica no futuro  que você vê que é o que está acontecendo agora. Outro francês que gosto muito que é o Martin Page. Entre os portugueses gosto do Gonçalo M Tavares e outro novo,o David Machado; gostei muito do Índice Médio de Felicidade. O João Tordo é interessante também. Portugal tem uma produção literária muito boa. Tem o Thiago Santos, super-roteirista de cinema que escreveu o romance, A velocidade dos objetos metálicos. Tem o espanhol Enrique Vila-Matas, um dos escritores contemporâneos que mais gosto. Mas quem escreveu o melhor livro do mundo, em língua portuguesa, foi o Lucio Cardoso  com Crônica da Casa Assassinada; para mim é o melhor livro já escrito. É fascinante em todas as suas nuances, narrativa brilhante, os problemas que ele trata e a forma.

E como filósofo quais autores  que o inspiram?

Gosto muito do romeno Emil Cioran. Li tudo dele, tenho a obra completa. Aqui há cinco livros publicados pela Rocco. Apesar do texto pessimista,  ele era uma pessoa super alegre, descontraída. Interpreto a filosofia dele como um pessimismo meio cínico; é uma provocação. Ele quer te levar a pensar. Tenho até um projeto de trabalhar em cima da obra dele; o que chama ética e estética do desespero. Na estética você vê o mundo sob a ótica do desespero, é um momento em que estamos quase chegando, se é que já não estamos. Mas o interessante é a ética do desespero; já que estamos vivos, o que fazer agora? A ética nos mostra como viver e a dele mostra como viver bem no desespero. Vamos assumir; agora somos desesperados e então o que a gente faz. Recentemente foi lançado aqui  O Clube do Desespero, escrito pelo Cioran na adolescência. Ele estava pensando em suicídio e então escreveu um livro... para não se matar.

24/07/2018