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Atitude é fundamental


Ela não se acha livreira, mas empreendedora. A  Blooks, sua livraria, fundada no Rio em 2008,  já tem destaque no mercado editorial brasileiro com  mais uma loja em São Paulo e  outra em Niterói,  inaugurada no auge da crise do mercado em 2016.

“As pessoas falam: Vamos? Eu  falo: Vamos!” ,  diz Elisa. E leva a Blooks a uma variedade de feiras e eventos todos os anos como a FLIP, a FLUP, a FLIST, a Art Rio, a São Paulo Art, ao Pixel Show e a Semana Internacional de Quadrinhos da UFRJ.

Em 2016  a Blooks  promoveu  uma das atrações mais prestigiadas pelo público do Festival das Livrarias do Rio realizado pela AEL: o debate com o quadrinista britânico David Loyd, autor de V de Vingança, história que deu origem ao filme.

Nesse mesmo ano, para muitos sinônimo de marasmo, Elisa lançou a revista Blooks, sobre cultura e comportamento, já no quarto número,  e inaugurou uma  Blooks pop up no Leblon. Este ano fechou parceria com a Kobo, para veicular conteúdo digital e vai abrir o site da livraria  para venda de livros.

Para ela, livraria não pode ser um local romântico e tem de estar antenada com os acontecimentos do mundo. Nos eventos que promove procura dar voz a quem não tem e acredita que isso vem formando o perfil da livraria.

Filha do escritor e jornalista Zuenir Ventura, membro da Academia Brasileira de Letras e autor dos bestsellers Cidade Partida e 1968 O ano que não terminou, Elisa trabalhou em várias atividades ligadas à cultura antes do encontro marcado pelo destino com as livrarias.

 

 

Como é a experiência de uma pop up, recém-inaugurada e com data para fechar?

A loja pop up é uma tendência muito forte lá fora. Você tem um espaço temporariamente desativado e chama uma marca ou alguém para ocupar. Tem os prós e os contras. Como é uma loja temporária fazemos algo menor. Nossa proposta não é ter todos os livros e isso confunde um pouco as pessoas. Também mudamos na medida em que conhecemos o público. Mas de uma forma geral é muito bom porque o espaço é bacana e em outras condições não estaríamos ali. A loja é um pedaço da livraria, um recorte; uma loja conceito. Fazemos parceria com uma galeria de arte e um café. Entramos em outubro do ano passado e, provavelmente, ficaremos até o final do ano. O ponto é muito bom, mas talvez não seja o local onde abriria uma loja em condições normais.

O que determina a localização das lojas?

A proposta é estar em lugares em que há cultura. Em São Paulo, apesar de ser em um shopping estou no piso dos cinemas, uma área mais específica. Como aqui no Rio. Prefiro estar perto de algum equipamento cultural. Acredito mais nesse modelo que em uma loja de shopping ou de rua. Está no nosso DNA. Iríamos inaugurar uma loja no Jardim Botânico mas desisti em parte por causa da crise e porque o projeto inicial foi muito modificado; se tornou algo elitista, só com galerias de arte. Achei que haveria pouco fluxo e desisti. Também disputamos com a Travessa o espaço de livraria no novo prédio do Instituto Moreira Salles em construção na avenida Paulista mas perdemos a concorrência.

Há diferença no público dessas três cidades?

Muito pouca. Vejo o público com o mesmo perfil mas com um  comportamento diferente. Há particularidades curiosas. De um modo geral o carioca é muito blasé. O povo de Niterói é muito receptivo; feliz com o fato de termos aberto uma livraria lá. Fazem questão de falar, de interagir, de divulgar. São muito receptivos. Em São Paulo os clientes são muito fiéis. Se gostam, eles voltam, compram. No Rio não há essa coisa tão fidelizada. Nas três lojas vendemos basicamente a mesma coisa com pequenas diferenças entre uma e outra. A loja maior é a de São Paulo e em nenhuma delas temos café por estarmos próximos de quem vende.

Qual o diferencial no acervo?

Literatura, artes, quadrinhos.  Acho que trabalhamos muito bem a questão dos nichos. Criamos uma seção de gênero, que não vejo em outras livrarias. Quando se fala em sexualidade hoje há tantas possibilidades e as livrarias ficam um pouco perdidas. Por isso criamos uma seção só de gênero. Temos uma seção de ficção científica que geralmente é difícil encontrar em outras livrarias, fica misturado. Também trabalhamos muito com editoras que não são mainstream e muito fundo de catálogo. São características comuns as três lojas.

Como divide o tempo entre as três?

A loja do Rio é a do meu coração. Foi a primeira. Tenho uma relação muito forte com ela. Preciso me desgarrar um pouco para olhar para as outras. Teria que estar mais em São Paulo; demanda  mais atenção por não ser  nossa cidade. Mas estou mudando a forma de trabalhar: trabalho pela manhã em casa e à tarde vou para alguma loja. Se estou aqui acabo atendendo os clientes e não dá, tenho outras  coisas  para resolver. Mas todo dia estou em uma loja. A vantagem de você ter três lojas é que quando uma está ruim a outra está boa. São muitas variáveis; às vezes são os filmes que estão passando, às vezes são as férias, eventos. Quando tem manifestação na avenida Paulista, o que acontece muito, isso nos atrapalha. Esse mês aqui no Rio está bom, mas São Paulo nem tanto. Antes eu separava muito as três livrarias em termos administrativos, agora entendi que é uma coisa só. Há momentos bons para todas, como de novembro a março. Carnaval é bom para a gente, ao contrário das outras livrarias.

Nas três lojas há programação de eventos?

Sempre. A livraria não existe sem isso. Ontem fizemos um evento sobre Mulheres que editam, e estava lotado. Mais de cem pessoas. Fiquei impressionada. Nem sempre isso reverte em vendas. Mas não acho que seja essa a conta. Digo que o importante é botar gente aqui dentro. Está tudo aí, funcionando, então quanto mais gente melhor. Prefiro isso do que não ter nada. Por isso estamos sempre inventando coisas. Temos como DNA dar voz a quem não tem, em qualquer área. Quando ninguém falava sobre questões como trans já fazíamos há muito tempo. Tivemos um debate há dois anos em torno do livro Manifesto Contrassexual, que está bombando, mas na época ninguém falava dele. Procuramos o que é tendência e que não está sendo refletido na livraria. Ela não pode ser uma coisa romântica; tem de ser real time, refletir o que está acontecendo. Em Niterói ainda estamos entendendo o público. Mas ficamos do lado da UFF. Há um público muito interessante de humanas, filosofia, psicologia. Na verdade é parecido com o Rio; tem as senhoras que vão comprar Izabel Allende e os que querem o Manifesto Contrassexual. Mas, claro, as pessoas nos identificam com determinados assuntos. O que é bom; estamos trabalhando para ter uma cara, um perfil.

Por falar em mulheres que editam , você começou como editora.

Comecei na editora Aeroplano com a Heloisa Buarque de Hollanda. Foi minha primeira atividade no ramo. Depois abri uma livraria com uma sócia, a Lucia Wise, na galeria do cine São Luiz, no Largo do Machado e depois vim para cá.  Na editora o que me deu mais alegria foi quando vendi minha parte. Mas lá tive o privilégio, que vale por qualquer coisa na vida, de conviver muito intensamente com a Heloisa Buarque que foi muito importante na minha formação. Vale por qualquer MBA. No final ficamos só nós duas  como sócias, porque todo mundo foi debandando. A Aeroplano dava trabalho, era complicada mas abriu todas as possibilidades na minha vida. O nome Blooks foi a Heloisa que deu para um projeto que fizemos juntas; vem de blogs mais books, logo no início quando surgiram os blogs e fizemos uma exposição sobre isso na Oi Futuro.

Quais as dificuldades como editora?

Era uma editora que adorava fazer livros mas detestava vender. Isso é muito bacana se há um investidor, alguém que cuide dessa parte. Fizemos muita coisa boa como a coleção Tramas Urbanas, pioneira na apresentação da literatura de periferia; editamos a Ana Cristina César, o Caio Fernando Abreu; relançamos 26 Poetas, da Heloisa Buarque. Foram 18 anos. Uma experiência muito legal. A livraria é completamente diferente da editora, ela não me permite não fazer negócio. Na editora se faz um livro e vende ou não vende. Aqui, até por não ter sócio tenho de estar presente em tudo. Não posso me dar ao luxo de não gostar de ver planilha, de conversar com o contador.

Como está a Semana Internacional de Quadrinhos da UFRJ na qual a Blooks participa?

Amanhã temos um debate aqui na livraria com uma pessoa sensacional que trouxemos para a Semana; a francesa Chantal Montellier, uma quadrinista importantíssima, fez a adaptação de Kafka para os quadrinhos. Nós a trouxemos ao Brasil numa parceria com o pessoal da UFRJ. Todo ano trazemos um autor internacional junto com eles. Ano passado foi o David Loyd, autor de V de Vingança. Este ano era para ter vindo também a Trina Robbins, uma quadrinista norte-americana, já uma senhora. Mas o marido se acidentou anteontem e vamos ver se ela vem depois. Fazer esse link para trazer esses autores de fora é a nossa maior ousadia.

A revista Blooks também é uma ousadia?

É quase uma loucura. Na verdade a revista Blooks sou eu e a Camila Savoia. Somos as editoras e fazemos tudo, principalmente ela. É uma luta incrível e fico muito orgulhosa de conseguirmos fazer a revista. Muito mais orgulhosa pela Camilla do que por mim. Na atual conjuntura, fazer uma revista impressa, bem feita. Temos conseguido anunciantes, algumas editoras, outros que não são editoras. Cada número é uma batalha gigantesca, mas até o final de 2017 estamos com ela firme e forte. Está no quarto número. Começou com 6 mil exemplares e baixamos para 4 mil. Não tínhamos como distribuir tanto e preferimos intensificar os pontos que já temos. Além das livrarias ela está no Cine Odeon, no MAR, na Pinacoteca de São Paulo, muitos lugares no Rio e São Paulo. Não é uma revista de vendas. É uma revista de conteúdo que reproduz o que é de nosso interesse. Como não temos compromisso com os anunciantes de falar de livros, fazemos uma pauta que vai de música, teatro, cinema, infantil. Não temos pretensão de ser nada, apenas entretenimento. Isso facilita muito.

Como é a nova parceria da Blooks com o Kobo, leitor de livros digitais?

É mais no sentido de produzirmos coisas a serem acessadas através do Kobo, como a revista, do que vendermos e-books. Temos vários projetos em andamento mas não temos tempo. Queremos lançar coisas com selo Blooks. Nada pretensioso, alguns textos, coisas menores. Esse ano também vamos começar a venda on-line. Durante muito tempo fui resistente a ela, mas não será nada do que imaginava. Como somos muito identificados com editoras alternativas e fundo de catálogo, é isso que quero vender. As pessoas nos procuram em função desse tipo de produto e nosso foco será esse. Não vamos ficar vendendo Intrínseca, Sextante, Record. Não tenho condição de vender isso porque não dou desconto. Mas se estiver procurando o livro da Lote 42 que não acha em lugar nenhum vai encontrar no nosso site. Se for para comprar best seller serei a primeira a não comprar no site da Blooks e buscar outro que me dê desconto, prazo

O que acha da lei do preço fixo para regular esses descontos?

Acho fundamental para que possamos competir de fato em igualdade. O cara pode adorar a Blooks, vem aqui, pega o livro, senta e lê. Depois vai ali na esquina e compra o livro com 30%, 40% de desconto, ou vai na internet. A lei do preço fixo é a única forma de nos igualarmos nessa briga. Então vão surgir outros parâmetros para se definir quem vende o livro, que não seja só preço.

O que espera de encontros como a Convenção Nacional de Livrarias?

Que as pessoas reclamem menos, que tenham ideias, sejam proativas e parem de chorar. Na última Convenção que fui fiquei impressionada com o tempo que se perde reclamando: “A Companhia das Letras não faz entrega na minha livraria...” Dane-se. Vai criar eventos. Passo por tudo isso. Editoras que não fazem lançamento aqui de jeito nenhum. Não vou implorar, vou falar com quem quer falar comigo. Um evento como o de ontem, Mulheres que editam, tinha mais de cem pessoas. As editoras têm interesses muito específicos, questões comerciais das quais talvez não possamos participar, como botar trezentos livros do autor na minha vitrine. Cansei de fazer lançamentos de pessoas desconhecidas abarrotados, de vender mais de cem livros. Mas isso também foi uma construção. As pessoas não estavam aqui batendo na porta. Quando começamos nosso Facebook dávamos destaque para as grandes e a repercussão era zero, nem viam que estávamos falando deles. Quando publico algo de uma editora pequena minha audiência triplica porque para essas pessoas tenho uma importância enorme; elas compartilham o que publicamos. 60% do que vendo é Companhia e Record, amo as duas. São super parceiras, estão na revista. Mas não vou querer que façam lançamento aqui se não querem. Livreiro estava acostumado a abrir a porta dar bom-dia e as pessoas entrarem. Isso não existe mais. Olha que estou em um lugar que tem fluxo. Mas atitude é fundamental. A união seria fundamental para termos atitudes conjuntas. Estamos em uma crise, com um monte de lojas fechando mas também muita coisa bacana que continua. Minha ideia e de outros livreiros independentes é fazer uma campanha; “Estamos aqui”.  Uma campanha alto astral. A cidade está horrível, está tudo muito ruim, mas estamos aqui e precisamos mostrar a todo mundo que não é só baixo astral. Estamos fazendo a nossa parte. A Livraria Leitura é um case interessantíssimo; estão aí crescendo em um momento de crise.

Ser filha do escritor e jornalista Zuenir Ventura influenciou seu trabalho com livros?

Não. Todo mundo acha e parece óbvio, mas não foi assim. Trabalhei muito tempo com música e produção cultural. Fazia muitos eventos, exposições. Uma dessas produções foi um ciclo de conversas sobre 1968 no Espaço Unibanco de Cinemas há muito tempo que fiz com a Lucia Wise. Numa das mesas participaram o meu pai, o Wally Salomão e a Heloisa Buarque de Hollanda. No final dei carona para a Heloisa que estava abrindo a editora Aeroplano e precisava de alguém para tocar um projeto específico. Me perguntou se eu queria e sem nenhuma pretensão disse quero. Não tinha a menor experiência com livro. De cara peguei um livro já patrocinado, uma coisa grande e aprendi na marra. Seria o primeiro livro da Aeroplano e a Helô perguntou se não queria fazer a festa também. E fiquei para fazer a festa junto com o Rui, da Travessa, que era sócio também. Fizemos um festão no MAM de abertura da Aeroplano em 88. Passou a festa e fui ficando. A Aeroplano eram várias pessoas e foi saindo um , saiu outro e me chamaram para entrar de sócia. Paralelo a isso a Lucia Wise estava com ideia de abrir uma livraria na galeria do São Luiz, e me chamou. Tudo na minha vida é assim, as pessoas falam: “Vamos?” Eu digo: “Vamos!” Vou fazendo. Não penso muito. Mas não houve nenhuma conexão com meu pai. Depois aproximou um pouco, porque era muito à margem. Tenho essa veia empreendedora que ninguém na minha família tem. É todo mundo jornalista, carteira assinada, e se assustam muito com a coisa do empreendedorismo. Não entendem, sofrem. Toda livraria que abri foi um parto dificílimo, a família toda achou que eu era louca. A conexão com meu pai não era tão grande. A Helô foi muito mais importante em mostrar esses caminhos e abrir outros, me apresentar a milhões de pessoas. Quando vi estava convivendo com pessoas que convivi junto com meu pai mas não com uma relação de trabalho. Com a Helô passei a ter uma relação diferente com essas pessoas, deixei de ser apenas a filha do Zuenir e virei a sócia da Helô.

E a sua relação com o livro, como consumidora?

Essa relação sempre existiu, mas infelizmente tem mudado um pouco. Muitas vezes entro aqui e não vejo os livros que tem porque a cabeça já está em outra. Tenho interesses específicos de leitura. Não sou uma livreira de forma alguma, como a Laura Gasparian é e outras pessoas são. Tenho uma relação com o livro um pouco diferente. A Nélida, minha gerente é livreira. Sabe tudo, lê tudo. Eu tenho interesses específicos e não acho que seja livreira. Meus interesses são múltiplos; gosto de música, de cinema e de livros. Eles estão no meio de outros interesses. Não sou focada nisso. Por isso a livraria é múltipla, por esses interesses. Ao mesmo tempo é difícil arrumar gente para trabalhar aqui porque as pessoas cada vez estão lendo menos, os próprios livreiros. Digo a eles: “Se não consegue ler o livro, leia o PublishNews, leia jornal, leia sobre livros”. Acaba que vamos formando muitos livreiros. Por ser uma livraria pequena isso fica mais fácil.  Mas as pessoas estão muito fracas. Numa geração mais velha você consegue, mas nessa de vinte e poucos eles não estão lendo nada. Infelizmente. Por outro lado, lá em Niterói, meus funcionários são espetaculares porque são todos da UFF. Um estuda psicologia, outro filosofia. Não têm experiência de livraria mas conhecem livro. Aqui temos de formar para ler e lá para atender.

Houve alguma livraria que serviu de parâmetro para você?

A Travessa para mim foi uma grande referência. É a melhor de todas. Sempre gostei e acompanhei. Adoro o Rui. Acho ele um cara antenadíssimo. Acho que ele mudou muito a referência de livraria no Rio de Janeiro, desde a Muro. A Argumento também é uma super-referência. Mas como identificação é a Travessa, mesmo querendo matá-los porque abriram uma loja aqui do lado e viraram meus concorrentes.

Houve algum livro especial para você?

Como primeiro livro importante, inclusive porque foi presente do meu pai em um momento em que estava procurando o que ler, bem jovem, foi Encontro Marcado, do Fernando Sabino. Foi talvez um momento em que tenha achado um caminho na literatura e também um caminho de conexão com o meu pai com relação a isso. Foi um marco bem interessante. Depois aconteceu uma coisa engraçada; quando abri lá no São Luiz era uma livraria muito pequena, fora do mercado, ninguém entendia bem o que eu estava fazendo ali, nem os meus pais. Um dia chego lá e encontro o Fernando Sabino sentado. Tinha ido conhecer a livraria. Ele era amigo do meu pai, tinham uma relação bacana. Mas quando vi o Fernando Sabino, ali, sentado na minha livraria disse: “Nossa! Acho que isso aqui agora é sério”. O Fernando Sabino foi a primeira pessoa que me deu um status de livraria. Encontro Marcado foi um livro  importante para mim e ele  o primeiro autor a me visitar.

12/05/2017